sexta-feira, outubro 21

Receitas literárias - Pratos de carne




Dobrada à Moda do Porto





Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,
Serviram-me o amor como dobrada fria.
Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.
Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,
E vim passear para toda a rua.

Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei, e foi comigo ...


(Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim,
Particular ou público, ou do vizinho.
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele.
E que a tristeza é de hoje).


Sei isso muitas vezes,
Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram-mo frio.
Não me queixei, mas estava frio,
Nunca se pode comer frio, mas veio frio.
                                             Álvaro de Campos*, in "Poemas"

INGREDIENTES [8/10 pessoas]
2kg de dobrada de vitela
1 mão de vitela
1 frango
150g de presunto
150gr de chouriço nortenho
500g de feijão-branco ou feijão-manteiga
40g de banha de porco
250g de cenouras
100 g de cebolas
2 dentes de alho
40g de sal grosso
pimenta moída q.b.
salsa
          Lave bem a dobrada e tire as peles. Leve a cozer durante 3-4 horas em água temperada com sal. Coza separadamente a mão de vitela em água com uma pitada de sal. À parte, faça um refogado com a banha, salsa picada, cebola e alho. Antes da cebola alourar, junte a dobrada cozida cortada aos pedaços, a mão de vitela cozida e desossada, bem como o frango cortado aos bocados, o preseunto cortado às tiras, o chouriço, as cenouras, sal, pimenta e o feijão já cozido. Depois de tudo bem cozido sirva bem quente - nunca fria!
 
 
FERNANDO PESSOA [1888-1935]
Ao lado de Camões, Fernando Pessoa é o mais celebrado dos poetas portugueses. A sua vasta obra está em grande parte distribuída por vários heterónimos: o mestre panteísta Alberto Caeiro, o classicista Ricardo Reis, o sensacionalista Álvaro de Campos e o semi-heterónimo, Bernardo Soares.
*Álvaro de Campos foi o mais futurista dos discípulos de Alberto Caeiro. Engenheiro graduado em Glasgow, foi o cantor da máquina, da velocidade, da cidade. O poeta dos magistrais poemas Ode Marítima ou Tabacaria, define-se, nas próprias palavras de Fernando Pessoa, "como um Walt Whitman com um poeta grego dentro de si. Há nele toda a pujança da sensação intelectual, emocional e física que caracterizava Whitman; mas nele verifica-se o traço precisamente oposto - um poder de construção e desenvolvimento ordenado de um poema que nenhum poeta depois de Milton jamais alcançou."

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