OVOS COM CHOURIÇO |
O breque rodava na estrada de Benfica: iam passando muros enramados de quintas, casarões tristonhos de vidraças quebradas, vendas com o seu maço de cigarros à porta dependurado de uma guita: e a menor árvore, qualquer bocado de relva com papoulas, um fugitivo longe de colina verde, encantavam Cruges. Há que tempos ele não via o campo!
Pouco a pouco o Sol elevara-se. O maestro desembaraçou-se do seu grande cache-nez. Depois, encalmado, despiu o paletó - e declarou-se morto de fome.
Felizmente estavam chegando à Porcalhota.
O seu vivo desejo seria comer o famoso coelho guisado - mas, como era cedo para esse acepipe, decidiu-se, depois de pensar muito, por uma bela pratada de ovos com chouriço. Era uma coisa que não provava havia anos, e que lhe daria a sensação de estar na aldeia... Quando o patrão, com um ar importante e como fazendo um favor, pousou sobre a mesa sem toalha a enorme travessa com o petisco, Cruges esfregou as mãos, achando aquilo deliciosamente campestre.
- A gente em Lisboa estraga a saúde! - disse ele, puxando para o prato uma montanha de ovo e chouriço. - Tu não tomas nada?...
Carlos, para lhe fazer companhia, aceitou uma chávena de café.
Daí a pouco Cruges, que devorava, exclamou com a boca cheia:
- O Reno também deve ser magnífico!
Eça de Queirós*, Os Maias
INGREDIENTES [4 pessoas]
90g de chouriço
50g de banha de porco ou manteiga de vaca
8 ovos
1/4 de uma colher de chá de pimenta moída
2 colheres de sopa de leite
1 pitada de sal fino
Corte o chouriço em rodelas finas e retire a película de tripa que o envolve. Coloque a manteiga ou banha numa frigideira e frite ligeiramente as rodelas de chouriço. Entretanto, bata os ovos juntamente com o sal, a pimenta e o leite, misturando bem as gemas e as claras. Junte os ovos batidos ao chouriço e prepare uma omoleta. Sirva quente.
* BIOGRAFIA
José Maria Eça de Queirós [1845-1900], um dos mais prolíficos romancistas portugueses, deixou uma vasta obra que reflete a agitação cultural da sua época (a "Questão Coimbrã"). Estreou-se como escritor nos jornais e em folhetins publicados na Gazeta de Portugal, entre os quais figura O Mistério da Estrada de Sintra (1870), paródia ao enredo romântico, em colaboração com o seu amigo Ramalho Ortigão. A partir da primeira publicação de As Farpas (1871), adotaria um estilo realista/naturalista, defendido nas Conferências do Casino sob o título A Nova Literatura. A sua fina ironia e a sua habilidade em retratar criticamente as idiossincrasias da sociedade da sua época granjearam-lhe um lugar de destaque na ficção realista do século XIX.
Obras principais
O Mistério da Estrada de Sintra (1870); O Crime do Padre Amaro (três versões em 1875, 1876 e 1880); O Primo Basílio (1878); O Mandarim (1880); A Relíquia (1887); Os Maias (1888).
Ficção narrativa póstuma
A Ilustre Casa de Ramires (1900); A Cidade e as Serras (1901); Contos (1902); Ecos de Paris (1905); A Capital (1925); A Tragédia da Rua das Flores (1980).
FONTES:
QUEIRÓS, Eça - Os Maias: episódios da vida romântica. Lisboa: Livros do Brasil, [196-?]
COELHO, Jacinto do Prado, dir. - Dicionário de Literatura. 3ª ed. Porto : Figueirinhas, 1983. vol.3
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