"Pensar é estar doente dos olhos" de Alberto Caeiro, um dos heterónimos de Fernando Pessoa, foi o tema do encontro informal entre os alunos do 12º 1 e a Dr.ª Susana Gonçalves da Biblioteca Municipal Florbela Espanca.
Fruto deste encontro, uma verdadeira aula de sensibilização e educação sobre os deficientes visuais, transcrevem-se três textos elaborados por alunos dessa turma.Escuridão às cores
De forma egoísta e impiedosa, os dias atropelam-se. Vivemos mergulhados no confuso e desconcertante rebuliço de um quotidiano que nos vai consumindo o tempo, impedindo-nos de parar por breves momentos para constatar que há quem pareça viver ainda pior.
De forma egoísta e impiedosa, os dias atropelam-se. Vivemos mergulhados no confuso e desconcertante rebuliço de um quotidiano que nos vai consumindo o tempo, impedindo-nos de parar por breves momentos para constatar que há quem pareça viver ainda pior.
Chamam-lhes “deficientes visuais”, como se esta designação insípida e preconceituosa abrangesse toda a complexidade destes seres... Na verdade, estamos perante pessoas que são, garantidamente, muito mais do que indivíduos privados do sentido da visão.
Não chegará, então, a ser insultuoso atribuir estas duas palavras tão insensíveis àqueles que, embora com os “olhos doentes”, conseguem ver? Sim, eles veem, mas de uma maneira secreta, digna...
Falamos dos cegos, os aventureiros corajosos que se lançam na procura de um novo sentido para a vida e para o mundo que os rodeia. Continuamente alcançam novas metas, aproximando-se cada vez mais da conquista de uma das suas grandes ambições - a autonomia. Enfrentam, assim, uma jornada dolorosa, morosa, mas reveladora e, sobretudo, pedagógica. Descobrindo-se e surpreendendo-se, vão aprendendo a guiar-se na rua, a desempenhar tarefas domésticas e laborais.
Curiosamente, “cego” também significa “deslumbrado”. E este fascínio representa, justamente, uma fonte de inspiração para estes seres tão extraordinários que chegam, afinal, a ser mais inteiros do que muitos daqueles que usufruem dos cinco sentidos.
São, acima de tudo, heróis do dia-a-dia, que põem constantemente à prova não apenas uma língua, mas toda uma linguagem. Contactam com a Natureza e com a gente de forma genuína, construindo, através do toque, do som, do cheiro e até do paladar, uma imagem mental e, por isso, perpétua, do momento.
Só por si, os olhos de um cego não encontram nada mais para além da escuridão. Mas fazem dela uma escuridão às cores, longe de um sentido que, por vezes, nos trai – a visão. Não seremos, afinal, nós os cegos? “Cegos que, vendo, não veem”?
Ana Teresa Maia Mota, 12º 1
Ser cego...
Sempre me perguntei se seria realmente capaz de ver, se tudo neste mundo, neste universo, nada mais seria que um jogo, sujo e mau, capaz de me fazer acreditar, toda a vida, que tudo o que a minha visão alcança é real. Por vezes, quando estou sozinho, paro, abro os olhos e contemplo. Não importa o quê, tudo tem a sua beleza, da mais pequena flor à maior das criações humanas. Porém, nem toda a beleza contida neste belo mundo me faz, por um segundo que seja, ter certeza da sua mera existência. Digo mera, pois vim a aperceber-me de que não faz a menor diferença. Sei-o, porque a beleza que observo está dentro de mim.
Ser cego é aprender a viver vendo o mundo de outra forma. Ser cego é ter o dom de ouvir, e ouvir como mais ninguém ouve, um ouvir tão profundo que leva os cegos a terem uma visão diferente. Uma visão que os livra de qualquer pré-disposição para tudo, cada som uma nova sensação, uma nova visão.
Infelizmente, a nossa sociedade não está devidamente preparada para lidar com estas extraodinárias pessoas. A comunicação entre dois indivíduos deveria decorrer normalmente, independentemente de um deles não conseguir ver. Ainda assim, isto não se verifica, sendo, por exemplo, dadas ao cego informações da forma errada que em nada o ajudam. Eu não sou cego, mas eu sou deficiente. Afinal, eu não sei comunicar.
Todos os cegos podem, então, ter certezas da beleza do mundo que os rodeia, pois ela está dentro de si próprios. E se isto acontece, eles não são diferentes de nenhum de nós, pessoas com dúvidas, pequenas na vastidão do universo, grandes na sua própria dimensão.
Diogo Castro, 12º 1
“Filipa, ver é com os olhos!” Quando era pequenina, os meus pais levavam-me às compras e, de vez em quando, sentia-me tentada a abrir os detergentes para cheirar, a tirar os peluches da prateleira para afogar o rosto no seu pêlo… Era impossível resistir e eles repreendiam-me sempre, dizendo “Filipa, ver é com os olhos!”. Hoje em dia, questiono-me “Será mesmo?”
A visão é, de facto, um dos sentidos que mais valorizo: permite-me obter imagens do mundo que me rodeia e, quando me observo, faz-me sentir parte dele. No entanto, existem pessoas que não a possuem – os cegos – e que elevam o verbo ver a outra dimensão. Para isso, constroem perceções/imagens mentais do que os rodeia, servindo-se dos estímulos recebidos pelos restantes órgãos sensoriais. Assim, conseguem reconhecer o amigo que se aproxima através da sua voz, o tipo de detergente através do seu cheiro…
É aos cegos que muitos chamam deficientes visuais. No entanto, como já foi constatado no parágrafo anterior, são capazes de ver (servindo-se, obviamente, de outros sentidos que não a visão). Para além disso, através de um treino rigoroso e do auxílio, por exemplo, de cães-guia ou de bengalas, conseguem executar com autonomia e eficiência as mais variadas tarefas domésticas e laborais, deslocar-se sozinhos na rua…
Em suma, os cegos são grandes revolucionários da língua e dos sentidos, ensinando, aos que possuem visão, uma grande lição de vida.
Desculpem, mãe e pai, mas ver é não só com os olhos, mas também com o nariz, a boca, as mãos e os ouvidos!
Ana Filipa Peixoto Miranda nº1, 12º1
Sem comentários:
Enviar um comentário